terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dos Mitos - O excesso de planificação e de planos

texto e foto retirados daqui
nota: o texto respeitava o AO, corrigi-o ..

por José Matias Alves *


Continuamos a viver num sistema marcado por várias ilusões: a ilusão do comando e do controlo, a ilusão do poder dos decretos e do diário de república (vasto cemitério de leis); a ilusão das lideranças heróicas, salvíficas e solitárias; a ilusão da comunidade educativa; a ilusão dos projectos, planos e programas.

Nesta crónica defendemos a tese de que quando há um excesso de planificações, planos e projectos a realidade tende a ficar muito aquém do desejado e previsto. Mais: tende a ser substituída pelas ficções das narrativas que se escrevem ou esquematizam. Partindo de Pfeffer e Sutton (2000, 2006) identificamos 5 barreiras à acção resultantes deste excesso:

1. Quando o discurso e a escrita substituem a acção. Na arena escolar, muitas vezes basta escrever para não ter de agir. Outras, o esforço de planificar esgota a vontade, a energia ou tempo para concretizar. Outras ainda, o que interessa, segundo a boa regra burocrática, não é o fazer mas o que se escreveu sobre o que se vai fazer ou sobre o que já se fez.

2. Quando a memória substitui a nova acção. A ênfase da planificação alimenta-se, em regra, da memória, do passado e isso dificulta um ajustamento às novas realidades emergentes.

3. Quando o medo impede a activação de novo conhecimento. Quando as pessoas estão sob pressão e com medo do seu futuro, não vão trabalhar com afinco, imaginação e ousadia. Pfeffer e Sutton encontraram duas consequências negativas em organizações que eram governadas pelo medo: (1) levou as pessoas a concentrarem-se apenas no curto prazo, muitas vezes causando problemas a longo prazo, e (2) enfatizou a sobrevivência individual, desprezando a coesão do colectivo.

4. Quando a obsessão da medida obstrui o bom senso. Uma preocupação com resultados de medição em sistemas de monitorização que (a) são muito complexos, com muitas medidas, padrões e indicadores difíceis de operacionalizar, (b) são altamente subjectivos na implementação, e (c) muitas vezes fazem perder importantes elementos de desempenho.

5. Quando a concorrência interna transforma amigos em inimigos. Quem é o inimigo? Pessoas dentro da organização ou concorrentes externos?
Se a concorrência e a competição internas são a filosofia de gestão, isso (a) promove a deslealdade para com colegas e a organização como um todo, (b) prejudica o trabalho em equipa, e (c) inibe a partilha de conhecimentos e a disseminação das melhores práticas.

Vivemos sob o signo da projectocracia, do excesso de planificações e planos. No excesso de retórica e pobreza de práticas (Nóvoa). Da avaliocracia. Precisamos de um novo tempo. Um tempo de leveza dos planos; um tempo de activação das inteligências adormecidas; um tempo de mais contacto na acção colectiva; um tempo de menos papéis; um tempo de mais reflexão colaborativa; um tempo de uma acção mais humilde, arriscada e empreendedora.


* José Matias Alves é investigador, doutor em Educação e professor convidado da Universidade Católica Portuguesa.

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