sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

divulgarte

clicar para ampliar:

desabafos de uma professora


recebido via e-mail:

E falam-me de revisão curricular?
Um dia cinzento…professor... Para mim um dia triste, coberto de indignação, revolta, medo,  impotência e desolação.
M. Duchamp, descending a staircase
Ontem, em frente à Escola EB 2/3 Padre António Luís Moreira, nos Carvalhos – Vila Nova de Gaia, um Professor de Matemática, de 63 anos, foi violentamente agredido por três indivíduos de etnia cigana. Não. Não agrediu nenhum aluno. Não foi incorrecto com ninguém, nem tão pouco falou mais alto. O exemplo de civismo, educação, correcção e profissionalismo é a descrição deste nosso colega. Apenas mandou que uma aluna de etnia cigana se retirasse da sala onde entrou sem autorização e sem educação. Motivo este bastante para que a aluna comunicasse com os familiares que de forma selvagem se encarregaram do “ajuste de contas”.

Sou professora e tenho também alunos de etnia cigana. Terei provavelmente princípios de educação e civismo semelhantes aos da maior parte dos professores, como este colega. Corrijo todos os dias os comportamentos e atitudes que considero despropositados. Trato todos os alunos de igual forma, tendo como principio a igualdade de que todos falam com a “boca cheia”. Igualdade essa de direitos, mas também de deveres. Sim, porque não pensem que a igualdade só serve para ter direitos! O cumprimento das regras de civismo e respeito também fazem parte. E se um dos meus alunos achar que “cuspir em cima das secretárias” é um direito que ele tem? Isso vai contra o meu entendimento de respeito e educação e, como tal terei de informá-lo da necessidade de limpar a secretária que é de todos. Se a moda pega, terei com toda a certeza de pedir protecção policial para sair da escola.

Cada vez que tento visualizar a situação de agressão a que foi sujeito este professor, fico completamente de rastos, desmoralizada e sem motivação alguma para continuar a fazer aquilo que escolhi há muitos anos.

E falam-me em revisão curricular??
Podem fazê-las todas e todos os anos! Não é aí que se encontra o “cancro” da Escola/Educação. Podem aumentar as cargas horárias todas que quiserem! Os alunos não vão saber mais por isso. É o mesmo que tentar tratar o doente com a medicação errada.

A indisciplina grassa em grande escala e em percurso crescente na maior parte dos estabelecimentos de ensino do nosso país. É mais ou menos camuflada, numas ou noutras escolas, por interesses vários, desde directores a ministros. Mas está instaurada e cada vez com maior número de aderentes. A nós pouco nos resta fazer. Tentamos de todas as formas, nunca infringindo a lei ou ferindo os tão apregoados direitos do aluno, proteger os poucos que sabem para que serve a Escola, o Professor e a Educação. Mesmo correndo algum risco de, segundo os entendidos, traumatizar as crianças, ainda elevamos o tom de voz ou castigamos um ou outro aluno, na tentativa, quase inglória, de “salvar” mais um.

Sabendo que a missão primeira de educar compete aos pais e sabendo que poderemos ser verbalmente e fisicamente agredidos, arriscamos e transmitimos, sempre que achamos premente, os valores e princípios que os nossos alunos não trazem de casa, corrigimos atitudes, somos pai e mãe sempre que necessário. Recebemos mensagens escritas dos encarregados de educação revelando uma falta de respeito, educação e desconhecimento atroz, porque cansamos o seu educando com os trabalhos de casa. Somos ameaçados pelos pais e familiares dos alunos a quem dizemos que é necessário um caderno e uma caneta para escrever e que esse material é muito mais importante numa sala de aula do que um telemóvel…

E falam-me em revisão curricular??…

Não aguento mais medidas sem sentido e de nenhum efeito. Um médico não receita sem saber qual é o mal de um doente, ou não deveria fazê-lo.

Então como se quer tratar a Escola/Educação sem antes perceber, analisar, verificar onde está realmente o grande, imenso problema?

  • É urgente e inadiável impor a disciplina nas escolas portuguesas.
  • É urgente e inadiável que se percebam as diferenças de direitos e deveres entre um adulto e uma criança.
  • É urgente e inadiável que um professor possa ensinar quem quer realmente aprender.
  • É urgente e inadiável que o medo deixe de ser uma sombra permanente sobre as cabeças dos docentes do nosso país.
  • É urgente e inadiável que possamos intervir assertivamente e no imediato em situações que estão no limiar do humanamente suportável.
  • É urgente e inadiável que o respeito e educação que exijo aos meus filhos, possa exigir da mesma forma aos meus alunos.

E falam-me de revisão curricular??

É inadmissível que o professor seja obrigado a engolir os insultos de um aluno que tem mais ou menos a idade dos seus filhos quando em sua casa isso não é minimamente tolerável.

Não pensem que quero “a menina dos cinco olhinhos”. Não. Apenas penso que fomos exactamente para o outro extremo. Quase que me apetece dizer que se vive uma anarquia nas escolas. Gritar fere a sensibilidade das crianças, mas falar baixo não resulta pois estas não sabem estar caladas. Uma bofetada ou puxão de orelhas? Completamente desadequado. Isso só com os nossos filhos surte efeito. Aos nossos alunos traumatiza e marca para toda a vida. Talvez seja por isso, por tantos traumas destes, que a nossa geração cresceu, formou-se, trabalha e não espera que nenhum subsídio seja criado e nenhuma casa lhe seja oferecida.

Os meus vinte e cinco anos de serviço não me ensinaram a viver uma escola em que importa apenas que as crianças sejam muito felizes e acreditem que a vida é super fácil; que o trabalhar é apenas para os “totós”, pois a preguiça compensa e de uma forma ou de outra todos conseguirão fazer a escola; que independentemente de cumprirmos as regras teremos sempre direitos; que pudemos ofender de todas as formas possíveis e agredir sempre, pois o pior que poderá acontecer são uns dias de “férias” em casa; que de uma forma ou de outra, a culpa é sempre do professor.

O nosso colega está em casa, depois de uma tarde nas urgências do hospital, com cortes no rosto e muitos hematomas. Tenho o estômago embrulhado e um nó na garganta. Uma vida inteira dedicada a ensinar e a formar um futuro melhor para o nosso país é desta forma agraciada quase no fim da sua carreira. E quem está a ler e a sentir-se da mesma forma que eu perguntará: “ E a escola não age?” E eu digo-vos qual é a resposta: “Foi fora do recinto escolar.” Gostaram? Conseguem imaginar como será o estado de espírito deste professor de matemática? Já não falo das marcas físicas e das dores que deve ter, pois foram muitos pontapés e murros covardemente dados por três homens na casa dos vinte anos. Covardemente por serem três a agredirem um senhor de sessenta e três anos. Falo na dor psicológica, uma dor que não passa com analgésicos, que vai lá ficar muito tempo. Será a recordação mais viva que terá da sua longa carreira que está quase no final. Aqui fica a medalha de “cortiça” que recebe pela sua dedicação e entrega à escola e aos alunos. No final apenas fica o amargo de boca de quem tem consciência de que fez o melhor trabalho que pode, que entregou a melhor parte da sua vida e juventude aos seus alunos, que exerceu com toda a dignidade a sua profissão, respeitando sempre todos, engrandecendo o conhecimento de muitos.

Resta-me dizer que este dia cinzento tem toda a razão de ser e todos os professores se sentirão exactamente neste cinzento que porventura será a cor que melhor define os sentimentos de quem neste momento consegue imaginar-se no lugar deste professor.

Maria do Rosário Meireles Cunha
Professora na Escola EB 2/3 de Olival

iniciativas




apoio a grávidas em dificuldades:

contribua até 27 de Fevereiro

 iniciativa: PAV (Ponto de Apoio à Vida)


 (clicar na imagem para ampliar)




nous sommes tous des grecs!

(*) preâmbulo:

A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)

«Em 1936, a Espanha estava politicamente dividida em dois campos: A Frente Nacionalista e a Frente Republicana. A Frente Nacionalista era um partido conservador, com ideias nacionalistas e fascistas, ao passo que a Frente Popular pertencia ao partido Republicano, com ideais socialistas, comunistas e anarquistas. Devido à oposição entre os dois lados, o monumental conflito deixou um rastro de sangue da matança entre espanhóis e tornou-se a precursora da Segunda Guerra Mundial.»

da wikipedia:
«A Luftwaffe teve a oportunidade ideal de testar seus pilotos, aviões e tácticas na guerra civil espanhola, quando em Julho de 1936 Hitler manda a Legião Condor ao General Francisco Franco, líder nacionalista espanhol, para lutar contra os republicanos e comunistas. Em Abril de 1937, uma força combinada de bombardeiros alemães e italianos sob o comando espanhol nacional destruiu a maioria da cidade basca de Guernica, na Espanha.»

*


tradução retirada daqui: http://cadpp.org/node/217


A Grécia luta em 2012 como a Espanha em 1936 (*) – pelos povos da Europa!

Discurso de Sonia Mitralia, membro do Comité Grego contra a Dívida e da Iniciativa das Mulheres contra a Dívida e as Medidas de Austeridade, pronunciado no encontro de Marselha de 17 de Fevereiro 2012, organizado pela campanha francesa «por uma auditoria cidadã da dívida pública».

------------------------------------------------------------------

O curso da História acelera e os acontecimentos cataclísmicos dos últimos dias na Grécia são de molde a convencer até os mais reticentes: a Grécia tende a ser hoje em dia para a Europa de 2012 o que a Espanha foi para a Europa de 1936! Esta constatação aparentemente ousada não é uma tirada romântica. Não, é um facto imposto pelos nossos governantes, pois quem nos assedia a tempo inteiro desde há dois anos são as Merkel e os Sarkozy, o FMI e os banqueiros, a reacção neoliberal de além-fronteiras nacionais, os que optaram por transformar a Grécia num laboratório das suas políticas desumanas e os Gregos em cobaias da sua terapia de choque.

É mais que tempo de todos nós, povos da Europa, tomarmos à letra o que nos dizem os nossos Merkozy e a sua Troika, e de agirmos em consequência. Aceitemos esse desafio e respondamos sem hesitar que a Grécia vai tornar-se um caso/teste também para nós, para o movimento dos trabalhadores, para os movimentos sociais e feministas, para os povos e os explorados de toda a Europa! Sim, façamo-los compreender que Sim, somos todos gregos, pois estamos todos plenamente conscientes de que o combate do povo grego é definitivamente o combate de todos nós. Que se eles conseguirem quebrar as resistências e submeter o povo grego, a seguir será a vez de todos os outros povos europeus, um após outro, serem postos a ferros…

Talvez se recordem que no início eles nos contavam tretas do género «trata-se de um caso único e especificamente grego, devido ao facto de os Gregos serem uns preguiçosos, dados à corrupção e à mentira». De então para cá, pudemos ver que o buraco negro da dívida não é especificamente grego, que não é devido à suposta… hipertrofia do Estado grego, que é igualmente americano, francês, italiano, japonês. Em suma, é tipicamente capitalista e a crise é… sistémica.

Mas atenção, cuidado com as frases feitas e os clichés, que são inadequados para descrever a actual realidade grega. Será que ainda podemos falar de austeridade, ainda que a classifiquemos de draconiana, quando os salários e as pensões baixaram na Grécia 40, 50 ou mesmo 60%? Quando o poder de compra da esmagadora maioria da população sofreu um corte de 50, 60 ou mesmo 70%? Quando a classe média desse país está arruinada e numa depauperização galopante? Quando os novos salários já não chegam aos 417 euros [na Grécia era quase o dobro antes da crise] e as novas pensões de reforma os 320 euros? Tratar-se-á de simples «rigor» quando um em cada dois jovens gregos está no desemprego e o desemprego geral chegou aos 25%? Como é possível falar de simples… «sacrifícios passageiros» quando a subnutrição já provoca razias na população infantil das escolas primárias e a fome acossa até a pequena-burguesia das cidades gregas? E como pode alguém dizer que tudo isso é necessário para «pôr em ordem as finanças» da Grécia, quando os ministérios admitem cinicamente que as políticas impostas pela força à Grécia falharam, tendo por único resultado o afundamento do país numa monstruosa recessão progressiva, e que a dívida grega jamais poderá ser reembolsada? Será isto um caso de simples sadismo da tristemente célebre Troika, ou antes uma guerra aberta e declarada do capital contra o mundo do trabalho? A realidade quotidiana obriga-nos a admitir: Sim, aquilo a que assistimos na Grécia é uma verdadeira guerra dos poderosos contra os oprimidos, dos muito ricos contra todos os outros. E ao mesmo tempo, não nos esqueçamos disto que é muito grave: assistimos à ressurreição do pior neocolonialismo quando vemos a Grécia humilhada e subtraída de praticamente toda a soberania nacional, tratada pelos seus pretensos… parceiros europeus como uma autêntica colónia, um protectorado sob tutela, dirigida por um Gauleiter [denominação alemã para um dirigente provincial] da senhora Merkel e do senhor Schaeuble…

E os Gregos, que fazem eles? Cuidado, não acreditem no que vos contam dos Gregos. Os vossos meios de comunicação social são como os nossos: a realidade que eles vos descrevem é totalmente irreal. Ao falarem da Grécia actual, fazem questão em afirmar que existe em Atenas um governo de União Nacional apoiado por quatro quintos dos representantes do povo grego. Se fôssemos a acreditar nesta descrição, teríamos de concluir que os Gregos são um povo de masoquistas que adoram ser maltratados…

Evidentemente a realidade é outra. Uma dúzia de greves gerais em menos de dois anos, incontáveis lutas e greves muito duras em todo o país, um clima quase insurreccional desde há meses, um movimento dos Indignados – os Aganaktismeni gregos – que varreu toda a Grécia durante 3 meses, confrontos muito violentos com as forças da repressão, ministros e deputados que já há 10 meses não ousam sair à rua, para não serem vaiados ou mesmo esbofeteados pelos transeuntes, um parlamento sitiado com frequência crescente por centenas de milhares de manifestantes que mais tarde ou mais cedo acabarão por tomá-lo de assalto, … eis um breve resumo do que é a rotina quase quotidiana na Grécia desde há muitos meses.

Mas tudo isto são apenas os abalos premonitórios do grande sismo social que vem aí. De facto, um olhar mais atento revela que a cólera popular atinge actualmente recordes históricos, que o país é como um vulcão social preste a explodir. De resto, as sucessivas sondagens são muito eloquentes. O apoio popular a este governo dito de União Nacional não chega aos 8%, enquanto o conjunto dos partidos à esquerda do PASOK social-democrata sobe acima dos 50%! Tudo muda a uma velocidade alucinante e a paisagem política grega está a sofrer uma reviravolta sem precedentes, porque sectores inteiros da sociedade procuram soluções radicais contra a crise e o empobrecimento galopante. Vejamos um exemplo que ilustra perfeitamente esta situação excepcional, fazendo lembrar cada vez mais o que se passou num certo período entre duas guerras no nosso continente. O PASOK, que, há dois anos, teve um triunfo esmagador nas eleições, conquistando a percentagem recorde de 45%, tem agora segundo as sondagens menos de 10%, enquanto um grupúsculo de assassinos neonazis ronda os 3%! Sim, a sociedade grega está já a caminho de ensaiar a sua própria República de Weimar…

Então, que fazer? A primeira coisa a fazer é gritar alto e bom som que os Gregos não devem pagar esta dívida que os sufoca e que não é deles. Deve ser imediatamente suspensa. Porquê? Para fazer aquilo a que obriga a lei internacional, a ONU, uma quantidade de tratados internacionais, aliás assinados por todos os nossos governos: investir na satisfação das necessidades elementares da sociedade grega – na saúde, na educação, nas infraestruturas, nos serviços públicos, nos desempregados, nas crianças esfomeadas, nas famílias monoparentais, nas mulheres que são agora obrigadas a assumir gratuitamente e em família todas as tarefas assumidas pelos serviços públicos antes do seu desmantelamento e privatização – as quantias astronómicas consagradas ao serviço da dívida pública.

Por quanto tempo? Pelo tempo que for necessário para realizar uma auditoria cidadã da dívida, a fim de identificar a sua parte ilegítima, a qual deve ser anulada e não reembolsada. E tudo isto deve ser feito recusando cair na armadilha das chantagens políticas que repetem incessantemente que uma tal política radical leva automaticamente à saída do euro e da União Europeia, a uma crise nacional inevitável…

Não, não e não. Recusamos pagar esta dívida e ao mesmo tempo permanecemos na zona euro. A razão principal é simples: porque queremos combater convosco, todos juntos, de mãos dadas com todos os trabalhadores deste continente, para pôr fim a esta Europa do capital, das Merkel e dos Sarkozy. Porque queremos criar e amplificar a chamada «crise sistémica» desta União Europeia antidemocrática e anti-social dos ricos. Sim, apenas nos resta uma perspectiva, a única realista e exequível: a do combate comum dos oprimidos de toda a Europa.
Camaradas, mais do que nunca a união faz a força. Unamo-nos, pois todos juntos conseguiremos mudar este mundo em vias de apodrecer. Antes que seja demasiado tarde… E lembrem-se:
Se não formos nós a fazê-lo, quem há-de ser?
Se não for agora, então quando será?...


Discurso de Sonia Mitralia; Marselha, 17.02.2012 – tradução de Rui Viana Pereira
.
.
da Grécia a Espanha, a Portugal -
Cohn Bendit, o conhecido activista do Maio de 68, fala
da hipocrisia da 'ajuda' à Grécia: 
«damos-lhes dinheiro para eles comprarem as nossas armas!»


*
in Expresso, 22 de fevereiro de 2012


Manolis Glezos,  sendo atacado pela polícia
 .
 .

.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

homenagem a Zeca Afonso

RTP - MAIOR QUE O PENSAMENTO

Série documental em três episódios sobre José Afonso com assinatura de Joaquim Vieira

« “Maior que o Pensamento” é o título de um documentário em três partes acerca da vida e da obra do poeta, compositor e intérprete José Afonso, o mais conhecido autor da chamada canção de intervenção portuguesa, movimento do qual se pode aliás dizer que foi fundador e líder (embora de maneira informal). » - ler mais

nobre povo, nação valente .. ?

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

dos afectos ...

imagens do dia de S. Valentim na ESAG: 
o produto de um envolvimento comum e a intervenção de várias áreas disciplinares:












quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

da política que vamos tendo ...


in Público, 15/2/2012
A confissão de Pedro Passos Coelho
por Santana Castilho*

Passos Coelho perguntou, com legitimidade, referindo-se a José Sócrates: “ Como é possível manter um Governo em que o primeiro-ministro mente?” Teimo na redundância de retomar factos sobejamente conhecidos, que justificam devolver a pergunta a quem a formulou e é, agora, primeiro-ministro. Porque a memória dos homens é curta e a síntese é necessária para compreender o que virá depois. 

Passos Coelho enganou os portugueses quando disse que não subiria os impostos, que não reduziria as deduções fiscais em sede de IRS, que achava criminosa a política de privatizações só para arranjar dinheiro, que não contariam com ele para atacar a classe média em nome de problemas externos, que era uma “grande lata”, por parte do PS, acusá-lo de querer liberalizar os despedimentos, que não reduziria a comparticipação do Estado nos medicamentos, que não subiria o IVA e que falar de cortar o subsídio de Natal era um disparate. Passos Coelho enganou os portugueses quando, imagine-se, acusou o PS de atacar os alicerces do Estado social, censurou a transferência do fundo de pensões da PT para o Estado, acusou o Governo anterior de iniquidade porque penalizava os funcionários públicos e os tratava “à bruta”, responsabilizou as políticas socialistas pelo aumento do desemprego e das falências, recusou pôr os reformados a pagar o défice público ou garantiu que o país não necessitava de mais austeridade. Tudo retirado de declarações públicas de Passos Coelho, sustentadas documentalmente. Tudo exactamente ao contrário do que executou, logo que conquistou o poder. 

Quem defende Passos Coelho argumenta, de modo estafado, que os pressupostos mudaram e que ele foi surpreendido pelo que encontrou quando tomou posse. A justificação é inaceitável. Porque só é sério prometer-se quando se está seguro de poder cumprir e porque existem declarações públicas de Passos Coelho afirmando que conhecia bem a situação do país. Todavia, esta questão foi definitivamente ultrapassada pelos acontecimentos recentes. Com efeito, o percurso começa agora a ser esclarecido. O qualificativo “piegas”, com que Passos Coelho injuriou o povo que lidera, não é fruto de um discurso infeliz. É, antes, uma peça de um puzzle de conduta política, cuja chave está numa frase inteira. Passos Coelho pronunciou-a quando, referindo-se ao programa da troika, afirmou: “… não fazemos a concretização daquele programa obrigados, como quem carrega uma cruz às costas. Nós cumprimos aquele programa porque acreditamos que, no essencial, o que ele prescreve é necessário fazer em Portugal …” Com esta frase, Passos Coelho tornou claro um radicalismo ideológico que amedronta. Com esta frase, Passos Coelho inviabilizou o argumento da mudança de pressupostos e confessou, implicitamente, a sua manha pré-eleitoral. O seu “custe o que custar” é, tão-só, uma variável discursiva da máxima segundo a qual os fins justificam os meios. O fim de Passos, confessado agora, sempre foi o que acha ser “… necessário fazer em Portugal …” Não como inevitabilidade imposta pelos credores, a contragosto de um primeiro-ministro que sofresse com o sofrimento do seu povo. Mas como convicção radical de uma ideologia que, para se impor no seu fim, aceitou o meio de mentir com despudor. Ficámos agora a saber que Passos Coelho mentiu conscientemente. Ele o disse. 

O discurso de Odivelas é o melhor paradigma do espírito e da forma deste primeiro-ministro. O espírito fica-se pelos lugares comuns do maniqueísmo da moda: a preguiça de uns, versus o “empreendedorismo” de outros; os “descomplexados” contra os “autocentrados”; as cigarras piegas em oposição às formigas do pastel de nata. A forma alicerça-se numa retórica indigente, de semântica pobre e metáforas que, ao invés de mobilizarem os portugueses, ofendem e geram raiva. 

Por fim, que não de menor importância, o discurso foi relevante no que à Educação toca. Passos Coelho foi pesporrente nas alusões ignorantes e atrevidas que fez. Ele olha para o sector como um mestre-escola de régua na mão. E os disparates que proferiu ajudaram a clarificar por que razão tudo se limita a reduzir despesa e operar pequenos “liftings” às políticas de Sócrates. Afinal, ele tem Crato como Merkel o tem a ele: para capacho. Basta ver algumas das últimas iniciativas, para ficarmos conversados:

1. Para responder às agressões bárbaras de que os professores são vítimas, os seres pensantes do PSD e CDS propuseram conferir autoridade policial aos professores, outorgando-lhes o direito de reter fisicamente os delinquentes. Se soubessem o que é uma escola e tivessem noção da diferença de força física entre as professoras (que constituem a esmagadora maioria do corpo docente) e os alunos, cada vez mais homens feitos (ensino obrigatório prolongado até os 18 anos), estavam calados.

2. Num alarde de estúpida burocracia, o mesmo ministério que apregoa a autonomia das escolas obriga-as a usar, em todas as comunicações, um único tipo de letra: o “Trebuchet MS”, tamanho 10. Venha lá Crato explicar a razão científica.

3. O regime de autonomia e gestão das escolas vai ser revisto. É uma revolução para o sistema. Mantém tudo quanto Maria de Lurdes Rodrigues congeminou e acrescenta-lhe o que faltava para a perfeição: um bombeiro, um canalizador ou um polícia (sem desprimor para com estes profissionais) podem agora avaliar os directores das escolas portuguesas; num invejável avanço democrático, os professores passam a eleger os coordenadores de departamento de entre três colegas escolhidos pelos directores.

Trinquem a língua e aceitem, ou são piegas. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dos Mitos - O excesso de planificação e de planos

texto e foto retirados daqui
nota: o texto respeitava o AO, corrigi-o ..

por José Matias Alves *


Continuamos a viver num sistema marcado por várias ilusões: a ilusão do comando e do controlo, a ilusão do poder dos decretos e do diário de república (vasto cemitério de leis); a ilusão das lideranças heróicas, salvíficas e solitárias; a ilusão da comunidade educativa; a ilusão dos projectos, planos e programas.

Nesta crónica defendemos a tese de que quando há um excesso de planificações, planos e projectos a realidade tende a ficar muito aquém do desejado e previsto. Mais: tende a ser substituída pelas ficções das narrativas que se escrevem ou esquematizam. Partindo de Pfeffer e Sutton (2000, 2006) identificamos 5 barreiras à acção resultantes deste excesso:

1. Quando o discurso e a escrita substituem a acção. Na arena escolar, muitas vezes basta escrever para não ter de agir. Outras, o esforço de planificar esgota a vontade, a energia ou tempo para concretizar. Outras ainda, o que interessa, segundo a boa regra burocrática, não é o fazer mas o que se escreveu sobre o que se vai fazer ou sobre o que já se fez.

2. Quando a memória substitui a nova acção. A ênfase da planificação alimenta-se, em regra, da memória, do passado e isso dificulta um ajustamento às novas realidades emergentes.

3. Quando o medo impede a activação de novo conhecimento. Quando as pessoas estão sob pressão e com medo do seu futuro, não vão trabalhar com afinco, imaginação e ousadia. Pfeffer e Sutton encontraram duas consequências negativas em organizações que eram governadas pelo medo: (1) levou as pessoas a concentrarem-se apenas no curto prazo, muitas vezes causando problemas a longo prazo, e (2) enfatizou a sobrevivência individual, desprezando a coesão do colectivo.

4. Quando a obsessão da medida obstrui o bom senso. Uma preocupação com resultados de medição em sistemas de monitorização que (a) são muito complexos, com muitas medidas, padrões e indicadores difíceis de operacionalizar, (b) são altamente subjectivos na implementação, e (c) muitas vezes fazem perder importantes elementos de desempenho.

5. Quando a concorrência interna transforma amigos em inimigos. Quem é o inimigo? Pessoas dentro da organização ou concorrentes externos?
Se a concorrência e a competição internas são a filosofia de gestão, isso (a) promove a deslealdade para com colegas e a organização como um todo, (b) prejudica o trabalho em equipa, e (c) inibe a partilha de conhecimentos e a disseminação das melhores práticas.

Vivemos sob o signo da projectocracia, do excesso de planificações e planos. No excesso de retórica e pobreza de práticas (Nóvoa). Da avaliocracia. Precisamos de um novo tempo. Um tempo de leveza dos planos; um tempo de activação das inteligências adormecidas; um tempo de mais contacto na acção colectiva; um tempo de menos papéis; um tempo de mais reflexão colaborativa; um tempo de uma acção mais humilde, arriscada e empreendedora.


* José Matias Alves é investigador, doutor em Educação e professor convidado da Universidade Católica Portuguesa.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

do Acordo "Tortográfico"

por
Miguel Esteves Cardoso
excerto

(...) « Imagine-se o seguinte texto, em que as palavras sublinhadas serão obrigatoriamente (para não falar nas grafias facultativas) escritas pelos portugueses, caso o acordo seja aprovado: ”A adoção exata deste acordo agora batizado é um ato otimo de coonestação afrolusobrasileira, com a ajuda entristorica dos diretores linguisticos sãotomenses e espiritossantenses. Alguns atores e contraalmirantes malumorados, que não sabem distinguir uma reta de uma semirrecta, dizem que as bases adotadas são antiistoricas, contraarmonicas e ultraumanas, ou, pelo menos, extraumanas. No entanto, qualquer superomem aceita sem magoa que o nosso espirito hiperumano, parelenico e interelenico é de grande retidão e traduz uma arquiirmandade antiimperialista. Se a eliminação dos acentos parece arquiiperbolica e ultraoceanica, ameaçando a prosodia da poesia portuguesa e dificultando a aprendizagem da lingua, valha-nos santo Antonio, mas sem mais maiúscula. A escrever »O mano, que é contraalmirante, não se sabe mais nada, mas não é sobreumano«? O que é que deu nos gramáticos de além-mar (ou escrever-se-á alemar)? A tortografia será uma doença tropical assim tão contagiosa?”

Os portugueses no fundo assinaram um Pacto ortográfico que sabe a pato. Ninguém imagina os espanhóis, os Franceses, ou os Ingleses a lançarem-se em acordos tortográficos, a torto e a direito, como os Portugueses. Cada país – Seja Timor, seja o Brasil, seja Portugal – tem o direito e o dever de deixar desenvolver um idioma próprio, Portugal já tem uma língua e uma ortografia próprias. Há já bastante tempo. O Brasil, por sua vez, tem conseguido criar um idioma de base portuguesa que é riquíssimo e que se acrescenta ao nosso. Os países africanos que foram colónias nossas avançam pelo mesmo caminho. Tentar «uniformizar» a ortografia, em culturas tão diversas, por decretos aleatórios que ousam passar por cima de misteriosos mecanismos da língua, traduz um insuportável colonialismo às avessas, um imperialismo envergonhado e bajulador que não dignifica nenhuma das várias pátrias envolvidas. É uma subtracção totalitária. (...) »

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"escuteiro" ou "escoteiro"?

petição

Bom, agora com o acordo ortográfico (ortografico?!) já não tenho a certeza sobre grafia nenhuma, mas até há pouco (a pouco?/ á pouco/ á poco????????) .. só para verem como os vossos filhos vão andar ainda mais às aranhas para aprenderem português / .. ou será portugues? .. pois é, pais (deve ler-se /ai/ , não é o novo ps:) .. que tal tomarem também uma posição sobre este 'descacordo'? ..
... mas ... dizia, até há pouco era esta a diferença entre as duas palavras do título:
.
"escuteiro"   ou   "escoteiro" ?
.
(...) « é esclarecedora a breve nota a que podemos aceder no sítio da Associação de Escoteiros de Portugal, que nos apresenta brevemente a história do movimento, salientando que esta foi esta primeira associação de Portugal que utilizou a palavra escoteiro, já existente na língua e com o significado de "pessoa que viaja sem bagagem", para traduzir o inglês scout.

Só mais tarde apareceu o Corpo Nacional de Escutas, movimento católico que assumiu uma dimensão maior e que, para a tradução de scout, utilizou a palavra escuta (de que depois derivaram escuteiro e escutista), já existente na língua como derivado regressivo do verbo escutar. »

fonte

um compositor no cinema


Patrick Doyle : o compositor responsável pela banda sonora de filmes como "Sensibilidade e Bom-Senso" e "Harry Potter and The Goblet Of Fire"


Quando a política se torna porca

in Público, 1/2/2012

Santana Castilho *

1. O período de discussão pública (que substantivamente foi privada) da proposta de revisão curricular terminou. Seguir-se-á o que já estava decidido: a imposição do “cratês”, em discurso indirecto, que o directo pertence a Gaspar e demais estrangeirados. Como fecho de brincadeira e para memória futura, eis o que me parece essencial:

- O que Nuno Crato propôs é pontual e não tem outro fim que não seja a redução das despesas com a Educação. Se pretendesse mudar a política bipolar em que temos vivido há 37 anos, teria começado por envolver os profissionais da Educação na definição das metas de chegada para os diferentes ciclos do sistema de ensino e teria seguido, depois, um processo técnico óbvio: desenhar uma matriz de disciplinas, conceber os programas respectivos e definir as cargas horárias que os cumprissem. Crato inverteu o processo, como faria o sapateiro a quem obrigassem a decidir sobre currículo: fixou as horas lectivas e anunciou que ia pensar nas metas, sem tocar nos programas. Lamento a crueza, mas mostrou que a sua coluna de cientista é gelatinosa: um bafo de troika e um sopro de Gaspar bastaram para vergar a coerência mínima. A prosa que sustentou a proposta em análise e o fim das “competências essenciais” permitiu evidenciar que a imagem de rigor de Nuno Crato foi, apenas, uma fátua criação mediática. O que disse é vago e inaceitavelmente simplista. O que são “disciplinas estruturantes” e por que são as que ele decreta e não outras? Quais são os “conhecimentos fundamentais”? O que são o “ensino moderno e exigente” ou a “redução do controlo central do sistema educativo”, senão versões novas do “eduquês”, agora em dialecto “cratês”? Fundamentar e definir são acções que Crato reduz ao que ele acha. O cientista é, afinal, um “achista”. Crato cortou e Crato acrescentou aleatoriamente. 

- Chegaram ao sistema de ensino os primeiros jovens que aí vão ser obrigados a permanecer até aos 18 anos, quer queiram quer não. Se prolongar a escolaridade obrigatória foi um disparate, omitir das alterações curriculares qualquer reformulação do ensino profissional e pós-laboral é simplesmente irresponsável. 


2. O “mercado”, essa entidade reverencial que subjuga a política e a torna cada vez mais porca, andou há anos a emprestar dinheiro sem critério, a todos e para tudo, na ganância do lucro imediato. Descobriu agora que, afinal, pode existir o risco de não reaver o que emprestou. Mas continua a emprestar, desde que os devedores falidos aceitem juros agiotas. Tem isto lógica? Tem! A da ganância. A crise grega rebentou em Maio de 2010. Desde aí, sob a batuta incompetente de Merkel e a capitulação dos políticos inferiores que lideram o velho continente, o vórtice recessivo não pára de crescer, cada vez mais agravado pelo aumento dos custos de financiamento, que arrastam os países, um após outro. O cidadão comum soçobra e deprime-se ante a voragem de um manancial de informação que esquece hoje o que debitou ontem. Mas da confusão emerge, claramente, uma evidência: os analistas mais credíveis dizem que estamos à beira do precipício e que a austeridade, por si só, não é solução e agravará os problemas. Lagarde assume-o claramente. Monti e Rajoy afirmam, sem eufemismos, que é necessário somar à austeridade políticas urgentes de crescimento e estabilização dos mercados. Á força da razão, que clama pela mutualização das dívidas soberanas e pela constituição de um fundo de resgate forte, como únicos processos para estancar a avalanche recessiva, responde a razão da força com a política porca: a ditadora Merkel, que já apeou Papandreu quando quis, propõe agora pôr no prego o que resta da soberania grega e substitui-la por um comissário seu, tutelar, que passaria a ir a despacho a Berlim, como já vai Passos Coelho. 


3. Tem havido um consenso tácito sobre a necessidade de equilibrar as contas públicas e reduzir o défice externo. A divergência reside na forma de o conseguir. O Governo, o Banco de Portugal e a troika defendem uma terapia de choque e acreditam que assim mudam um paradigma de crescimento assente no consumo para um paradigma de crescimento baseado no aumento das exportações. Mas não mudam. Primeiro porque a retracção provocada está a ficar incontrolável. Depois porque os que poderiam comprar estão, eles próprios, em retracção. Terceiro, porque a nossa economia depende demasiado das pequenas empresas, que vivem do consumo e não podem ser substituídas à bruta, sem tempo nem talento. Finalmente, aquilo de que a política porca não quer falar. Há responsáveis pela crise. Houve decisões simplesmente erradas e decisões conscientemente dolosas, tomadas por quem vive obscenamente rico, incólume. O nível de equidade fiscal é porco. A austeridade massacrou os pobres e protegeu os mais ricos, pela forma mais desigual e feroz de toda a Europa. São fontes oficiais que o afirmam. Continuam as avenças, o “outsourcing” e as consultorias escandalosas, de milhões, protagonizadas pelo próprio Governo, pelo Banco de Portugal, por empresas públicas e por autarquias. O interesse público e a emergência financeira serviram para suspender a Constituição e legalizar o confisco do dinheiro dos funcionários públicos e dos reformados. Mas ainda não serviram para rever as parcerias público-privadas. Quando os velhos morrem sozinhos em casa e as crianças chegam à escola com fome, quando os estudantes abandonam as universidades porque o Estado recusa 10 mil bolsas, estas políticas, além de plutocratas, são porcas.


* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)