sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

de Fernando Pessoa, pensinamentos

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"Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade e a hiper-excitação."
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 F.P. - "Autobiografia sem Factos". Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p. 173

"Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê. E, por fim, tenho sono, porque, não sei porquê, acho que o sentido é dormir."
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Livro do Desassossego, de Bernardo Soares (semi-heterónimo de FP)


Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes. A sua vida humana é cheia de tudo quanto constituiria uma série de angústias para uma sensibilidade verdadeira. Mas, como a sua verdadeira vida é vegetativa, o que sofrem passa por eles sem lhes tocar na alma [...]
Por isto, contudo, os amo a todos. Meus queridos vegetais!

Bernardo Soares, Livro do Desassossego 


Arquivo Pessoa  - OBRA ÉDITA
.Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"A Minha Pátria é a Língua Portuguesa"

por Fernando Pessoa/ Bernardo Soares

Minha pátria é a língua portuguesa

Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie - nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.

de Helena Almeida
Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.

Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. "Fabricou Salomão um palácio..." E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais - tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é - não - a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

"Livro do Desassossego", por Bernardo Soares. Vol. I, Fernando Pessoa
texto retirado daqui 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

um naufrágio obscuro

A operação de resgate recomeçou na manhã desta terça (17). Um grupo especial da Marinha está usando explosivos dentro do navio para abrir passagens que tornem mais rápida a tentativa de salvar alguém com vida. O número de desaparecidos subiu para 29.  (notícia aqui)


Costa Concordia - imagem retirada daqui

(Re)Valorizar as Línguas no Currículo


COLÓQUIO FNAPLV (Re)Valorizar as Línguas no Currículo 
- Línguas Estrangeiras na Escolaridade Obrigatória – 

A APPI, membro fundador da Federação Nacional das Associações de Professores de Línguas Vivas – FNAPLV tem o gosto de anunciar a realização do Colóquio “(Re)Valorizar as Línguas no Currículo – Línguas Estrangeiras na Escolaridade Obrigatória”, em conjunto com a APP, APPA, APPF e APPELE. 


O Colóquio terá lugar em Lisboa, no Goethe-Institut (Campo Mártires da Pátria, 37), no dia 11 de Fevereiro próximo (um sábado), das 9:30 às 18:00. 

O Programa inclui sessões plenárias e painéis a cargo de professores nacionais e peritos estrangeiros. 

O custo da inscrição 
  • para os sócios com as quotas em dia (2012) é de 10.00 euros; 
  • para os não sócios é de 30.00 euros; 
  • para os estudantes com apresentação de documento comprovativo é de 5.00 euros.

A ficha de inscrição (na página inicial deste site: www.appi.pt ) deve ser preenchida integralmente e enviada para: 
(em alternativa)
 
- appi@appi.pt 
- fax nº 21 716 2072 
- APPI, Rua Dr. Joaquim Manso, 1A 1500-240 Lisboa. 
 
 Tel.: +351 21 716 6095
Fax: +351 21 716 2072
e mail: socios@appi.pt www.appi.pt

sinais dos tempos ..

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Universidade dos Pés-Descalços

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Em Rajasthan, na Índia, uma escola extraordinária ensina mulheres e homens do meio rural - muitos deles analfabetos - a tornarem-se engenheiros solares, artesãos, dentistas e médicos nas suas próprias aldeias. Chama-se Universidade dos Pés-Descalços, e o seu fundador, Bunker Roy, explica como funciona:


fonte

domingo, 15 de janeiro de 2012

aconteceu na ESAG?

ainda da mesma página do FB .. aqui

1992-1993: um concerto no refeitório, aquando da visita de Rómulo de Carvalho (i.e, António Gedeão) à escola, no ano em que ela mudou de nome.

... E quem diria, hein? parecem profissionais!!

dos comentários a estas fotos:
« isto tem 20 anos.......mas lembro-me muito bem desta festa em que a prof. de psicologia me empurrou para o palco para apresentar!»

«Fantástico! dia memorável para todos nós :) não pensei nisso naquele dia - lool»
«Como diz o outro, fomos tão felizes ali :)) »






quando a ESAG era rosa-amarelada

As fotos estão todas numa página do FB dedicada à ESAG

Antigos alunos, professores de ontem e hoje põem lá fotografias e comentários .. aqui fica um retrato com estória(s)

António Gedeão e João Raínho
1992-1993: o ano lectivo em que a escola passou de Secundária da Cova da Piedade para António Gedeão

clicar para ampliar
Na altura,

  • as aulas começavam às 8.30 ..
  • duravam 50 minutos ..
  • havia a disciplina de jornalismo .. 
  • e a de têxteis ..
  • e a de música  ..
  • e a de alemão ..
  • e a de olaria se bem me lembro ..
  • e havia a área de artes ..
  • e a de desporto ..
  • e uma rádio escolar gerida pela AE ..
  • e um jornal escolar ..
  • e um clube de fotografia ..
  • e .. ? ... mais alguma coisa de que alguém se lembre?
  • A.C. não faço ideia do que fosse ..
  • clube de teatro ainda há, mas tem cada vez menos condições, menos visibilidade, menos apoios.. Pena, muita pena ..

comentários esparsos:
  • «Eu estive na Gedeão do 7º ao 9º, de 88 a 90. Eu estava na turma de música no 9º ano. O engraçado é que este ano estou lá a dar aulas. A maior parte dos meus antigos professores ainda se encontram lá. E os "galinheiros" ainda estão de pé. (...) »
  • Olá Pessoal, álguem se lembra dum desfile de moda que fizemos nas escadas principais ao som do "Red, red Wine" dos UB40......em 88/89 e 89/90 ?
  • diz não à dependência do açúcar... VOTA X ... a minha lista ....

desfile nas escadas do pavilhão D
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-- roupas feitas na disciplina de Têxteis, com a professora Conceição Ruivo. O ano não sei, mas a professora Ana Gouveia conhece as alunas em questão.. :-)
O desfile foi acompanhado de música - sugerida pela professora Nazaré Cunha ..  e está aqui!

.. do mesmo desfile?
desfile- Maio 1991

leilão de cerâmica

parte de um comentário acompanhando a foto abaixo:
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«(...)  a melhor Associação de Estudantes de sempre nos meus tempos foi mesmo quando ganhou a C do Nuno e mais Malta - fizeram a rádio da escola ente outras mil coisas.»
--- que tal, AE 2011-12? Boa ideia, não?

campanha para a AE

«Na altura em que as campanhas para a AE eram muito a sério(1990)»
 .
 ... os alunos usavam gravata!
lista k em todo o seu esplendor...

... e se fumava dentro da escola à vontade!

.. quando o Onda Parque ainda era um lugar festivo, bonito ..
jogos do ambiente no onda parque

.. o baile de finalistas se fazia em sítios modestos
e os alunos convidavam todos os que quisessem aparecer ..

 

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só sei que «não, não era carnaval » .. et pourtant ..

lá que pareciam felizes.... pareciam ..
que eram criativos .. eram
que se envolviam muito em actividades .. também ...
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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

o caso Jerónimo Martins

8:00 Sexta feira, 6 de janeiro de 2012
fonte 
A subserviência dos jornalistas perante o poder económico

por Daniel Oliveira

Guardo para o Expresso em papel desta semana a minha opinião sobre o caso Jerónimo Martins. A um triplocomendador devemos garantir um estatuto especial. Por agora, queria apenas escrever sobre a reação de alguns jornalistas e comentadores ao caso.

Perante a justificada indignação de muita gente, mais por a figura em causa se ter dedicado, no último ano, a repetidas lições de patriotismo a políticos e cidadãos do que por o caso em si, os relações públicas da Jerónimo Martins tiveram a vida facilitada. Dali vieram apenas os primeiros "esclarecimentos". Ainda o caso não era caso e já abundavam notícias contraditórias, explicações de fiscalistas e artigos de opinião que oscilavam entre as acusações a um Estado que teima em ainda cobrar alguns impostos a grandes empresas e o derradeiro e infantil argumento de que "os outros fazem o mesmo". Sempre que está em causa um grande empresário a cena repete-se: a reação em defesa da sua honra é imediata e empenhada.

Nada de mal. Todos têm direito ao contraditório (e é dele que nasce o esclarecimento público), mesmo quando a defesa da incoerência de comportamentos parece difícil. O que espanta é que este empenhamento pelo pluralismo na defesa do bom nome de quem é criticado não se alargue a todos os sectores da sociedade e seja sempre muito mais militante quando estão em causa pessoas com um enorme poder económico.

Por causa deste caso, estive a rever entrevistas na imprensa e na televisão feitas a Alexandre Soares dos Santos. Como costumo prestar pouca atenção aos conselhos que esta gente dá à Nação - cada um dá atenção a quem quer e, com todo o respeito por merceeiros, não os considero mais habilitados do que qualquer outro cidadão para o debate político -, tinha matéria para rever. Fiquei atónito. Não se pode dizer que tenha lido e ouvido entrevistas. Os jornalistas (quase sempre de economia) pedem conselhos e dizem frases para as quais esperam a aprovação do senhor. É uma amena cavaqueira onde nada de difícil, embaraçoso ou aborrecido é perguntado. Nunca é confrontado com contradições, incoerências ou dificuldades. Nada se pergunta sobre a relação da sua empresa com os produtores nacionais, com os seus trabalhadores ou com o Estado. E havia tantas coisas para perguntar. Não se trata de uma entrevista a um empresário, com interesses próprios, mas a um "velho sábio" que o País deve escutar com todo o respeito.

Trata-se de um padrão e não de um tratamento especial ao dono da Jerónimo Martins. Se ouvirmos as entrevistas a banqueiros ou outros grandes empresários acontece o mesmo. O que me leva a perguntar: de onde vem esta bovina subserviência de tantos jornalistas perante o poder económico, que não tem paralelo com qualquer outro poder, sobretudo com o poder político?

Explica-se de três formas: dependência, concorrência e imitação.

A dependência é a mais simples de explicar e talvez a menos relevante. A comunicação social não depende do poder político. Não é ele que lhes paga as contas. Depende de quem detém os órgãos de comunicação social e de quem neles anuncia. Claro que há notícias más para os empresários. Se não houvesse, dificilmente teríamos alguma pergunta embaraçosa a fazer a este senhor. Mas perante este poder o jornalista pensa duas vezes, vê os dois lados da questão e procura todas as fragilidades da informação que dispõe - coisa que, sendo outros os sujeitos, tantas vezes se esquece de fazer. Isto, claro, se for sério. Se não o for fecha o assunto na gaveta e não pensa mais no assunto.

A concorrência tem mais a ver com o poder político. A ideia de que a comunicação social é um contrapoder é absurda. E a de que é um quarto poder é um equívoco. Os media não são um poder autónomo, são um salão onde se cruzam os vários poderes. E o poder político também. Por isso, é com este, que tem a legitimidade representativa que falta aos jornalistas, que os jornalistas concorrem.

A imitação vive mais do simbólico. Os jornalistas são uma classe muito particular: a proximidade que têm dos poderes - que os namoram e seduzem - dá-lhes a ilusão de poder. A sua fragilidade profissional (cada vez maior, com a crescente proletarização da profissão) torna-os extraordinariamente fracos. A sua osmose com o poder dominante fá-los repetir o discurso hegemónico de cada momento. E esse discurso é definido pelo poder mais forte de cada momento. E esse poder é, hoje, o económico e financeiro. Sendo de classe média, o jornalista de economia tende a pensar como um rico. Não representando ninguém, o jornalista de política tende a pensar como se fosse eleito.

É por tudo isto que devemos ter em atenção três premissas. A primeira: a independência do jornalista não depende de quem é o seu empregador. Nem a empresa privada garante maior autonomia que o Estado nem a coragem de um jornalista depende do seu patrão. Ou tem, ou não tem. A segunda: sendo a comunicação social fundamental para a democracia ela não substitui a democracia. A opinião de um jornalista não é mais descomprometida e livre do que a de qualquer outra pessoa, incluindo os agentes políticos tradicionais. E a opinião publicada (a minha incluída) não é a mesma coisa que a opinião pública. A terceira: os jornalistas não têm como única função fiscalizar o poder político, mas fiscalizar todos os poderes. Incluindo o seu. Quando não o fazem tornam-se inúteis.

Daniel Oliveira (www.expresso.pt)

Sense of Purpose

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

uma carta de José Mário Branco

ao movimento 15 de Outubro:

Tenho acompanhado com interesse, evidentemente, todas as tentativas e experiências que têm vindo a ser feitas por todo o mundo na sequência da "primavera" do Cairo. Mas na minha experiência há um sarro do passado.
Meti-me na política aos 17 anos, estive preso pela PIDE, fugi para França em 1963 e voltei em 1974. Desde 64-65 e até há poucos anos, estive sempre ligado à extrema-esquerda de inspiração maoista. Como não sou realmente um político, mas sim músico, letrista e cantor, nessas pertenças e fidelidades fui sempre guiado por duas coisas:
- os grandes valores que, num artista, naturalmente convocam um lastro de radicalidade e, por outro lado,
- a fidelidade a homens políticos cujos escritos e posições públicas me foram parecendo melhor exprimir politicamente essa radicalidade.
O que me levou a ir entrando e saindo de colectivos onde me sentia em casa. Mas como afirmei pouco antes de deixar o último, que ajudei a fundar: "eu nunca saí de partido nenhum, os partidos é que foram saindo de mim".
As organizações políticas em que participei foram saindo de mim por duas razões principais, e supostamente opostas embora me pareça que são a mesma razão com sinais inversos, razões essas que nada têm de novas porque já vêm desde o último quartel do séc. XIX:
- ou perderam em radicalidade o que ganharam em "realismo", que é o eufemismo que usam para designar a capitulação e a adaptação ao capitalismo;
- ou se confinaram e estiolaram em pequenos grupúsculos, seitas e partidecos que, perdendo o contacto com o real, se satisfazem autofagicamente a proclamar verdades definitivas, directivas infalíveis para as massas e são totalmente incapazes de viverem hoje do modo como dizem querer que seja a sociedade de amanhã, prefigurando-a desde já em si mesmos.

A história da Praça Tahrir é diferente, e eu, que vivi o Maio 68 em Paris e o PREC em Portugal, regozijei-me, como toda a gente de bem, por mais uma queda de um ditador conseguida pelo clamor e pela coragem das ruas. Tempos novos, formas de luta novas.
Tenho tentado reflectir sobre isso e o seu alcance, à luz da única coisa que mantenho bem viva: a minha recusa da iniquidade do capitalismo, a minha exigência de "outra coisa" que "essa é que é linda" (ver, por exemplo, http://passapalavra.info/?p=40478).
Mantenho também um interesse continuado - mas forçosamente à distância - pelos poderosos movimentos sociais de base do povo pobre do Brasil, da Argentina, do México, e de outros países, que têm vindo a lutar por coisas essenciais como terra para cultivar, tecto para se abrigar, direito à água, à cidade, ao trabalho, ao descanso, etc.
Estes, só posso segui-los à distância porque, em Portugal, há tanto tempo que não há nada que se pareça; o povo parece apático, cheio de medo, sem raiva nem desconcerto, sempre bem enquadrado por uma elite de burocratas que há 30 anos o fazem gritar que "o custo de vida aumenta, o povo não aguenta" e a classe dominante a rir-se lá em casa respondendo "aguenta sim senhor, a prova é que gritam o mesmo há 30 anos!".
Convenço-me de que, neste longo caminho aos sacões, deixou de haver - por muito tempo - lugar para generalidades, para proclamações (gerais), para grandes desígnios colectivos. Há lugar, sim, para lutar começando pelo que está perto, pelo que está em baixo, pelo que está agora: o que está mal na minha casa, no meu prédio, no meu bairro; o que está mal na minha empresa, onde por definição não existe democracia, mas que é o centro da minha sobrevivência; na minha escola, seja eu aluno (força de trabalho em formação) seja eu professor (formador de força de trabalho), aquele o produto, este o produtor. Um período que será longo, de lutas defensivas e de lenta reacumulação de forças. O selo de qualidade daquilo a que se chama "lutas" é agora, para mim, a sua concretude, porque a maior parte daqueles que se dizem militantes confundem acção com actividade - e não é de agora.

Plataformas como a 15O são somatórios que só podem ter o peso que é, no melhor dos casos, a soma do peso das suas parcelas. O mesmo direi do que poderão ser o 21 de Janeiro e outras datas afins. O grande erro - parece-me - é que quase toda a gente pensa "o que é que eu vou lá buscar?", quando deveriam pensar "o que é que eu vou lá levar?". É como nos grupos artísticos: a criação colectiva resulta do que se vai pondo na cesta comum ao longo dos dias, esses dias em que parece não se passar nada. É esta a minha visão, completamente wilhelm-reichiana.

E isto passa-se mais assim nas revoltas de "classe média" do que propriamente nas revoltas dos pobres-mesmo-pobres. E acho que percebi porquê. É que, contrariamente aos pobres cuja vida toda é dar sem receber, as "classes médias", que têm ainda muito a perder, não sabem como se pratica o verso de Fernando Pessoa: "Só guardamos o que demos". Duvido até que o compreendam. Por isso "vão lá buscar", em vez de "irem lá levar".

Para o capitalismo, ou antes, para os capitalistas, a produção de bens imateriais (serviços, cultura, lazer) tornou-se desde há muito uma produção em massa para uma massa de consumidores (que são, em grande parte, os seus produtores), como se fossem pão, detergentes, casas ou carros. Mas a "classe média", que está a sofrer um lento processo de proletarização, tem vindo a ser proletarizada (incluindo os profissionais liberais - advogados, médicos, professores, artistas plásticos ou performativos) mas ainda não teve tempo nem experiência para deixar de ser pequeno-burguesa - individualista, idealista, socialmente apática e pusilânime.

[NOTA: eu não estou a afirmar que os proletários têm consciência proletária, bem pelo contrário, infelizmente a esmagadora maioria deles está também impregnada de uma cultura e de uma moral burguesa que lhes é injectada em doses cavalares a toda a hora; mas a própria vida prática se encarrega de lhes tornar evidente a classe a que pertencem; só que, não vislumbrado como sair disso, não se arriscam.]

Daí que, nas acampadas, haja aquele ar de carnaval sociocultural, onde se fala de coisas muito sérias, o que é bom, mas onde o carburante são as palavras em si mesmas, e não o gesto. Não é radicalidade, mas sim e apenas uma transgressão, uma aparência de radicalidade. Vou para o meio de uma praça, levo à boca as mãos em concha e grito "Quero mudar o mundo!"; mas as formiguinhas vão passando de lado, no seu afã de escravas; só fica, eventualmente, quem não precisa de fazer o gesto imediato da sobrevivência. Passe a conversa à Raúl Brandão... mas estou enganado?

O meu tema actual - que, como a palavra indica, está cheio de promessas - é o vazio. "Le creux de la vague". Não, ainda, o súbito recuo do mar na praia antes do tsunami, mas um intervalo côncavo de duração não mensurável entre dois ciclos históricos. Não creio que se possa descer mais fundo, e isso dá-me esperança. É preciso que a juventude "média" dê o salto para o lado de lá, onde estão os pobres a sofrer, muito calados, sem (des)tino. "Vou ao fundo da lama / Do outro lado / Do outro lado da mente / Do outro lado da gente / Do lado da gente do outro lado / Do lado da gente que vive de frente / Da gente que vive o futuro presente" (Margem de Certa Maneira, 1972 (!!!)).

Por isso... talvez apareça, não prometo. Estou a tratar do que está aqui perto: fazer música e mais música, inventar novas canções, novos espectáculos, ajudar outros músicos a serem melhores. Ler e ouvir música. Cantar de vez em quando as canções que tenho para dar ao público. É isso.
JMB 

Apologia ao Jumento


Podem Estar Certos Que Estão Errados

jornal Público, 4 de Janeiro de 2012


Santana Castilho *

O ministro da Educação referiu a revisão da estrutura curricular que concebeu como um primeiro passo de alterações mais profundas, que ainda irão ser estudadas. Quando fixou horas de leccionação antes de estabelecer metas e programas, errou. Agiu como um curioso. Mas a este erro técnico, grave, acrescenta-se um erro político de base, bem maior: Passos Coelho teve um discurso e um programa para a Educação até pouco tempo antes das eleições. Era um todo coerente, servido por uma política que acomodava as imposições financeiras da troika, a breve prazo, sem sacrificar uma via de desenvolvimento estratégico, a médio e longo. Estava alicerçado em estudos sólidos e fundamentados, financeiros e pedagógicos, e tinha uma visão política de profunda mudança estrutural. Mentindo aos professores e mentindo ao país, Passos Coelho abandonou esse programa e assumiu a Educação como mero adereço do xadrez contabilístico em que se move. A montante das intervenções casuísticas que têm sido feitas, os verdadeiros problemas jazem na paz dos anestesiados. Vejamos um exemplo. Sabemos que, até agora, cerca de metade dos alunos que terminam o 9º ano se “perdem” pelo caminho e não concluem o 12º. Mas este ano vão chegar ao ensino secundário os primeiros a quem se aplica a escolaridade obrigatória de 12 anos. Significa isso que duplicará o número daqueles que se vão “arrastar”, algures, entre o 10º, 11º e 12º anos. Será um desastre nacional manter coercivamente no sistema quem não quer estudar mais. Mas decretado o erro pela Assembleia da República, a resposta de qualquer Governo responsável só podia ser uma: reformar profundamente a estrutura curricular do secundário e, sobretudo, criar um ensino profissional eficaz e moderno, em estreita articulação com as empresas. Como o problema é grande, Nuno Crato puxou pela cabeça e ficou-se pelo “fazer mais com menos”. Por seu lado, Passos Coelho decidiu representar uma comédia de disfarces, aconselhando os professores a emigrarem e dizendo ao país que diminuiu o número de alunos nas escolas. Só que os dados estatísticos são tão úteis quanto perigosos. É frequente vê-los invocados por ignorantes ou por manipuladores, que induzem em erro a opinião pública. Urge pois parar este jogo de ilusões e desmentir os farsantes. O número de alunos não diminuiu e a tendência é para que aumente. Vejamos alguns dados objectivos, que sustentam a afirmação, para além do que acima referi.

1. O número é pouco expressivo e pontual. Mas Paulo Jorge Nogueira e Ana Lisette Santos Oliveira, trabalhando dados do Instituto Nacional de Estatística, revelaram que, em 2010, registaram-se em Portugal mais 1931 nascimentos que no ano anterior (“Natalidade, Mortalidade Infantil, Fetal e Perinatal. 2006/2010”. Direcção-Geral de Saúde, Dezembro de 2011)

2. Independentemente da validade dos métodos usados e da qualidade dos resultados obtidos, é patente e expressiva nas estatísticas educacionais a diminuição da taxa de abandono e saída precoce dos estudantes do ensino básico. Sendo certo que a orientação desejável é que se prossiga nesse esforço, é de admitir que o ganho de alunos para o sistema supere a “natalidade negativa” (terminologia inadequada usada por Passos Coelho, certamente para se referir ao saldo entre os que morrem e os que nascem, mesmo assim escamoteando que, pelo menos até 2009, esse saldo foi anulado pelos movimentos migratórios em direcção a Portugal).

3. É preciso muito cuidado quando se fala do rácio professor – aluno. Estou cansado de ver a transposição pura e simples do conceito contabilístico (que estabelece relações entre dois valores através do coeficiente simples entre eles) para o campo da Educação, onde as coisas não são assim lineares. Quantos professores estão ao serviço das estruturas administrativas do próprio ministério, quantos executam tarefas que antes pertenciam aos serviços das secretarias das escolas, quantos integram equipas de apoio a alunos com necessidades educativas especiais, aos planos tecnológicos, às bibliotecas escolares e a toda uma panóplia de missões a que não corresponde qualquer ponderação quando o rácio é determinado? Quem escreve, cita e compara dados com ligeireza, ignorando ou omitindo o contexto em que são colhidos e desconhecendo por que não são comparáveis (como foi feito, por exemplo, por José Manuel Fernandes, neste jornal, em 23.12.11), não ajuda a informar com rigor. Um exemplo, para ilustrar do que falo: 200 mil alunos do ensino básico foram, no ano transacto, sujeitos a planos de recuperação, sem que a circunstância tenha provocado qualquer correcção na determinação do rácio. 

4. As oficialíssimas últimas estatísticas do Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação (GEPE), referidas aos anos – lectivos entre 2005/06 e 2008/09, mostram o que Passos Coelho desconhece: chegaram ao sistema 303.526 novos alunos. Apesar da demografia menos favorável, que motivou uma diminuição das matrículas no 1º ciclo do ensino básico, verificou-se um substancial acréscimo dos alunos do secundário. Nos últimos anos não houve, portanto, diminuição, antes aumento dos alunos. E nos próximos? Dependerá das políticas seguidas. Se respeitarem o alargamento da escolaridade como previsto, se quiserem combater o insucesso como necessário e se se consolidar o empobrecimento galopante da classe média e consequente abandono dos colégios, o número de alunos do sistema de ensino público aumentará.
Por razões diferentes, Passos Coelho e Nuno Crato podem estar certos que estão errados.


* Professor do ensino superior

sábado, 7 de janeiro de 2012

um poema para 2012

de A. Giacometti
"Morre lentamente quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem destrói o seu amor-próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma escravo do hábito,
Repetindo todos os dias o mesmo trajecto,
Quem não muda as marcas no supermercado,
não arrisca vestir uma cor nova,
não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
Quem prefere o "preto no branco"
E os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
Justamente as que resgatam brilho nos olhos,
Sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
Quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
Quem não se permite,
Uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da
Chuva incessante, desistindo de um projecto antes de iniciá-lo,
não perguntando sobre um assunto que desconhece
E não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
Recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o
Simples acto de respirar.
Estejamos vivos, então!»

Pablo Neruda

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Pedro Osório, R.I.P.

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"A música é a minha vida!" Foi esta a mensagem simples que o maestro Pedro Osório deixou na homenagem que a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) lhe prestou a 18 de Novembro, quando já estava muito debilitado. Durante sete anos lutou contra o cancro. Até ontem: morreu aos 72 anos, no Hospital São Francisco Xavier, Lisboa.- fonte