quinta-feira, 23 de setembro de 2010

novo romance de José Luís Peixoto

nostálgicas paisagens alentejanas (as Galveias) - amparadas pela música dos Moonspell - no vídeo promocional do novo romance de José Luís Peixoto, "Livro" , que estará nas livrarias a 24 de Setembro.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

discursos na abertura do ano lectivo

1. do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama:

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2. da ministra da educação de Portugal, Isabel Alçada:

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Égito Gonçalves, português, poeta

Palavras


Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras - inaudíveis - grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade...
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar...


Égito Gonçalves  (1922-2001)
*
retirados daqui, informação e poema:


Égito Gonçalves nasceu em Matosinhos em 1922. Esteve ligado às revistas Távola Redonda, Árvore, Notícias do Bloqueio e Limiar, entre outras. Tradutor e poeta


Muda-se o tema, onde o mar começa.
A aventura é o mar ou essa forma
que se forma depois, que vai viver
na memória dos dias? De uma ilha lembro
onde o mar me levou e do conhecimento
várias portas me abriu. O oceano
começava antes, acabava depois, ali
só prosseguia, embalando-me em noites
de velame abatido, de fáceis ananases,
de alta mastreação tocada de saudade
lucilante como a esteira do luar.
Mais tarde soube que estava sem trabalho
pois não havia Índias nem de infantas
o prémio de um sorriso. Mas combates
havia para outros, torpedos e canhões
longe não andavam. Daquela guerra
eu só fingia ser. Ancorado veleiro
eu pensaria a ilha, verde como o slogan,
nela não enjoava como, sobre o mar,
me acontecia nos navios da Insulana.
Marinheiro, eu não era. O mundo antigo
vivia-se nos livros, reproduções offset
multiplicavam os atlas, alguns poetas
banhariam na Grécia os seus poemas. Eu,
estava ali, parado no tempo, onde
o mar começava e acabava, esperando
que na praça da Matriz o relógio do sono
badalasse o regresso. A minha casa
estava a oriente, ali acabaria
para mim o mar, e só quando da praia
o visse, a imaginação poderia segredar-me
que os meus pés começava e da viagem
seria excluído. Um rosto sem segredos
que as marés negras adoecem, e me acena
quando o avião desce e os motores destroçam
um mar de nuvens que se desfaz e recomeça.


in antologia Onde o Mar Acaba

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

É fácil malhar nos professores

um artigo de Santana Castilho:

A crise económica e financeira que nos assola não é um fenómeno da natureza. É consequência de decisões políticas. Umas, porque somos uma pequena economia aberta dependente daquilo que os outros fazem, escapam ao nosso controlo. Outras podem ser directamente actuadas por nós. Está neste caso o equilíbrio entre o que gastamos e o que produzimos. É pois natural que a discussão à volta de como cortar despesa seja uma discussão importante. Mas, para que seja construtiva, deve ser servida por informação isenta, completa e esclarecedora.

Li no Jornal de Negócios de 24 de Agosto: "A despesa do Estado não pára de crescer, apesar de o ano ser de consolidação orçamental. E cerca de um terço deste crescimento - que atingiu os 3,8% em Julho - vem da educação, em parte devido à melhoria das remunerações de professores, no seguimento do processo de avaliação."
Este naco de prosa e o que segue no desenvolvimento da notícia é assassino para os professores, no contexto dos sacrifícios que o povo suporta. Vejamos porquê. Comecemos por ir à fonte, um boletim mensal editado pela Direcção-Geral do Tesouro, intitulado Síntese da Execução Orçamental, referente a Agosto. Na página 9 está explicado que o aumento de 3,9 por cento das "despesas com pessoal" do Estado se deve ao aumento de duas rubricas: "remunerações certas e permanentes", que não cresceram 3,9 por cento mas apenas 1,6 por cento, e "segurança social", que cresceu 15,7 por cento. Assim, a "melhoria das remunerações dos professores, no seguimento do processo de avaliação", devia ser conotada com 1'6 por cento e não 3,9 por cento. Ganharia o rigor. Mas ainda ganharia mais rigor se a notícia esclarecesse, como devia e consta do documento que lhe serviu de base, que o aumento de 1,6 por cento se ficou a dever, para além da aludida parte dos professores, "à implementação dos novos sistemas remuneratórios das forças de segurança e dos militares" e à "contratação extraordinária de pessoal a termo e em regime de tarefa ou avença pelo Instituto Nacional de Estatística" (sic, publicação citada, p.9). Isto é: os 3,9 são, afinal, 1,6 e os 1,6 são repartidos por militares, forças de segurança, INE e professores. Mas a notícia só fala de professores. Feita a desagregação da despesa, como importaria o rigor, a montanha pariria um ratito.

E se fôssemos mais além e comparássemos, não o actual momento com o período homólogo de 2009, mas o que ganhavam os professores antes de Sócrates, em termos reais, com aquilo que hoje ganham, então só poderíamos concluir que, exceptuando a chaga dos desempregados, são eles a classe mais penalizada. Viram salários congelados, carreiras congeladas e degradadas e tempos de trabalho aumentados. Regrediram em toda a linha. Estou disponível para discutir e provar o que afirmo a quem quiser, jornalista, articulista, economista, políticos e outros. E esclareço que não me movem corporativismos, já que é outro o meu subsector de ensino. Move-me a justiça. E move-me o interesse nacional, porque é esse interesse que cede cada vez que se beliscam injustamente os professores.

Mas o rigor ainda suscita outras considerações. Tenho à minha frente o Orçamento do Estado para 2010. É um grosso volume com 736 páginas. Abro-o na 312 e cito o que lá está: "... A despesa consolidada do Ministério da Educação (MEDU) atinge o montante de 7275,7 milhões de euros ... Face à estimativa da despesa do ano de 2009, o orçamento do MEDU representa um acréscimo de 0,8%, acréscimo que se verifica ... sobretudo nas dotações específicas para o Ensino Particular e Cooperativo e para a Educação Pré-Escolar (sublinhado meu)." Quer isto dizer que quem aprovou o Orçamento do Estado de 2010 sabia que a despesa iria crescer 623,8 milhões de euros. E teimo no rigor. No documento em análise, na página 38, diz-se que a dotação orçamental da Educação foi corrigida para menos 20,6 milhões de euros. Será cumprida a correcção? Não sei, não sabemos. Mas está lá.

Os défices não são necessariamente peçonhentos. Se forem movidos por boas causas, isto é, investimento produtivo, e se estiverem controlados, isto é, se o "passivo" que representam puder ser pago pelo "activo" que os contraiu, são instrumentos de desenvolvimento e progresso. O problema do país reside na não verificação destas premissas básicas e daí a urgência em cortar despesa. Mas não se pode cortar despesa clamando esquizofrenicamente corta, corta, corta. Não chega. É preciso dizer onde e mostrar que se conhecem os cenários de consequências, negativas e positivas. Este era um belo trabalho de investigação jornalística que o Jornal de Negócios poderia promover, em vez de malhar nos professores. Deixo-lhe exíguas pistas:
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  • Quanto se gastou, e com que resultados, nos programas de modernização tecnológica das escolas? Só os últimos portáteis a entregar a crianças que deles não necessitam importam em 50 milhões de euros. 
  • Quanto custou até agora cada metro quadrado reconstruído pela Parque Escolar? 
  • Quanto custam a avaliação do desempenho e a gestão das escolas, que destruíram a estabilidade dos professores? 
  • Quanto custa cada aluno dos mais que polémicos Cursos de Educação e Formação (CEF) e Cursos de Educação e Formação para adultos (EFA)
  • Quanto custaram o Plano de Recuperação da Matemática e todos os outros que se criam porque o que devia funcionar não funciona?

in Público, 1/9/2010