sábado, 21 de abril de 2012

Otelo Saraiva de Carvalho, o estratega do 25 de Abril de 1974



Grândola, imgs do 25 Abril 1974:
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Otelo nos sítios onde preparou o 25 de Abril
daqui
por FERNANDO MADAÍL21 Abril 2007

Otelo Saraiva de Carvalho. A cronologia dos acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974 é bem conhecida. O desafio lançado pelo DN ao autor do golpe militar que derrubou o fascismo em Portugal foi um passeio por alguns dos locais que ele percorreu, há 33 anos, na fase da conspiração

Otelo Saraiva de Carvalho já não tem o Morris 1100 que quase não parou entre 24 de Março de 1974 - quando o (então) major instrutor de artilharia se ofereceu para fazer um plano militar a sério capaz de derrubar o regime - e 25 de Abril, quando ainda foi necessário para ir entregar rações de combate aos homens de Salgueiro Maia no Largo do Carmo.

Ao percorrer com o DN, 33 anos volvidos, alguns locais da conspiração, o estratego da Revolução dos Cravos evoca contactos em unidades militares, reuniões em casas particulares, conversas em cafés, encontros em parques de estacionamento.

"Agora, ao pensar nisso, vejo que corri riscos do caraças", reconhece quando lembra as conversas que teve, por exemplo, com Rosa Garoupa, que vivia na Estrada de Benfica e estava colocado na 2.ª Repartição do Estado-Maior do Exército (sector de informações), ou com o seu primo Fernando Velasco, que não contactava há anos, e estava no quartel-general da GNR, no Largo do Carmo - onde se refugiaria Marcelo Caetano.

"Vou fazer um golpe de Estado", explicava, para pedir ao primeiro dados sobre a Legião Portuguesa e a DGS (nome da PIDE após a "primavera marcelista") e ao segundo elementos acerca da GNR ("quero saber quantos homens e viaturas têm, quais os pontos onde acorrem em caso de prevenção"). "Estes tipos", admite, "podiam ter-me denunciado." Em vez disso, e embora o desaconselhassem a fazer o golpe, forneceram-lhe as informações de que necessitava.

Quilómetros e quilómetros clandestinos até ao serão em que, na casa do vizinho Vítor Alves, onde também estava Hugo dos Santos, leu a ordem de operações e garantiu que, "em menos de 12 horas", tinha a situação dominada e o Governo teria caído.

"Amanhã não é feriado"

A geografia da conspiração, que se pode traçar desde o apartamento de Silva Graça, na Praceta de Lourenço Marques (actualmente, Praceta de Maputo), em Oeiras, onde recebeu um croquis do Forte de Caxias (estava ali uma grande parte dos presos políticos) num papel encerado - só depois do 25 de Abril é que soube que o autor do desenho tinha sido... Jorge Sampaio (ver caixa) -, até ao estacionamento da estação de Santa Apolónia, onde pediu a Jaime Neves que tomasse as sedes da PIDE e da Legião Portuguesa, multiplica-se como as folhas que dactilografou na sua máquina de escrever Adler Tippa.

No desaparecido Café Londres (hoje é um banco), por exemplo, conseguiu demover Melo Antunes, desapontado com a aventura das Caldas, a abandonar, nessa noite de 18 de Março, o Movimento das Forças Armadas. Na mesa da esplanada, em que Vítor Alves também se sentava à conversa, Otelo pediu a Melo Antunes que escrevesse o programa político para sustentar a acção militar.

No dia 23 de Março, o teórico do movimento embarcava para os Açores, mas na véspera, em casa de Vítor Alves, leu a primeira versão do programa e informou que, no dia seguinte, estaria a despedir-se dele o jornalista do República Álvaro Guerra, que poderia apresentar o seu colega de redacção Carlos Albino, que tinha um programa de rádio com Manuel Tomás, onde seria transmitida a segunda senha (a primeira seria E Depois do Adeus), a canção Grândola, Vila Morena.

E, no entanto, um local que Otelo não pisou mas ganharia significado para as centenas de oficiais que deram origem aos versos de Sophia de Mello Breyner:
"Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"
.. foi o café Pisca-Pisca. Cinco militares que iam ocupar o Rádio Clube Português foram lá tomar um café antes da meia-noite, para fazer tempo. "Então, já vão fechar?", perguntam. "Amanhã não é feriado", responde o empregado. "Não é, mas há-de ser." Faltava pouco para se ouvir roncar os blindados de Salgueiro Maia.

Sem saber do golpe que Otelo estava a preparar, como admite ao DN, Jorge Sampaio recorda-se do seu "bom amigo" Silva Graça ir ao escritório que tinha na Rua Duque de Palmela e pedir-lhe um esboço com a planta da prisão. Além dos três dias que ali tinha estado detido, na sequência da Crise Académica de 1969, "ia muitas vezes a Caxias visitar os presos políticos de que era advogado". Apesar de não ter jeito para o desenho, o que se pretendia era perceber a localização das portas e dos espaços livres no interior. "Atravessava-se o portão verde, passava-se por um pátio, via-se uma zona com grades e dirigiam-nos ao local onde os advogados falavam com os seus clientes, pelo que se percebia onde deveria ser a zona das celas. Fiz o croqui, mas não era sequer à escala", ironiza Sampaio.
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